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Desvelando a Alquimia

Sérgio Bronze

 

Não existe motivo para dizermos que a Alquimia nasceu neste ou naquele lugar, por mais que alguns autores queiram provar que ela seria oriunda do antigo Egito ou da milenar cultura chinesa. Na verdade, o que podemos conceber é que a Alquimia deve ter surgido paralelamente nestes lugares, assim como tantas outras ciências em determinado momento histórico e das mãos de diferentes iniciados. Até onde podemos saber, a Alquimia teve um desenvolvimento particular de acordo com o seu lugar de origem e ao mesmo tempo possui uma linguagem característica e que a define como Alquimia.

 

A Alquimia chinesa se diferencia da Alquimia ocidental, se é que isto é verdade, no sentido que eles tinham uma preocupação mais profunda com o bem estar físico e com uma moral de como se viver bem. A preocupação chinesa com a saúde física do homem levou a certos exageros, como o consumo de alguns minerais e produtos químicos, como ouro, mercúrio, arsênico... na busca de uma melhor saúde e longevidade. Tais exageros também ocorreram no ocidente. A Alquimia hindu, muito atrelada à chinesa, também tinha uma enorme preocupação com a longevidade, além da eterna busca de “transformar metais em ouro”. 

 

A palavra Alquimia origina-se do árabe “al-khemi”, que quer dizer “a terra negra”, mas que também pode ser interpretada por “química natural” ou “ciência natural”. O Egito [antigo] era chamado pelo seu povo por Khem - a terra negra - como uma alusão ao limo negro e fértil que o Nilo deixava após as inundações. É esse limo negro que fertiliza as áridas terras do deserto e podemos ver aqui um importante simbolismo da qual a Alquimia nunca se afastou. Assim, podemos dizer com certeza que, a Alquimia praticada e que se desenvolveu na Europa é fruto de um profundo conhecimento árabe que remonta a tempos muito mais antigos.

 

O termo “terra negra”, que mais tarde dentro da própria Alquimia viria também a ser conhecida por Obra em Negro, é uma alusão à cegueira e às trevas que habita o indivíduo que ainda não teve a capacidade de “Sair à Luz”, como era chamado o Livro Egípcio dos Mortos. Ao mesmo tempo em que representava a cegueira humana, também representava as possibilidades e a fertilidade da terra e da existência humana. Mesmo vivendo em um mundo negro, onde a morte era a única realidade certa, a vida e o mundo se abriam ao homem como a mais real possibilidade de evolução em todos os campos de atuação.

 

O sistema da Alquimia, ao contrário do que as pessoas geralmente acreditam, é um processo extremamente simples de ser apreendido e ao mesmo tempo é de uma complexidade enorme no que se refere à sua prática. Ao nível intelectual a Alquimia é de extrema simplicidade, ao retratar o encontro do homem com Deus através de diversos símbolos e do trabalho a ser realizado, mas que se torna complexo porque demanda uma dedicação enorme ao processo que o leva até Deus. Poderíamos explicar todos os símbolos com extrema facilidade, mas teríamos dificuldade em explicar o processo que leva o homem ao Altíssimo.

 

O sistema propriamente dito é quase todo ele sexual, dentro do conceito alquímico de sexualidade, mas até aí não estaríamos dizendo nenhuma novidade. Talvez a novidade esteja no fato de que é Deus quem diretamente nos educa nesta Arte, daí ela ser conhecida, também, por Ars Regia (Arte Real). O fator sexual é o último a ser empregado em todo o processo alquímico e que por isso mesmo, foi ao longo dos séculos, tratado de maneira reservada por aqueles verdadeiros iniciados. O processo inicial, e que é chamado de Obra em Negro, consiste em “dominar” o mundo ao nosso redor e no controle da mente. Este é um processo longo e demorado, um verdadeiro processo de putrefação e destilação do chumbo - i.e., de observação de como as personas atuam em nós - para que possamos atingir o ouro que ali estava tão diluído. O ouro nada mais é do que o afloramento da Divindade em nós, outra maneira de dizer que a Rosa desabrochou no centro da Cruz.

 

Com esse desabrochar temos a nossa primeira “Saída à Luz” e então iniciamos a Obra em Branco, que consiste em começarmos a observar o mundo (e mais tarde, o universo) com outros olhos, através do estabelecimento do ego. A “Saída à Luz” é um termo óbvio, uma vez que saímos à luz do Sol e nos deparamos com Ele, o Sol da Vida, no Caminho que nos leva à Iluminação. Nesta etapa atingiremos o que se é chamado de Pedra Filosofal, também conhecida por Pedra dos Filósofos, uma alusão ao que tecnicamente é conhecido por Conhecimento e Conversação do Sagrado Anjo Guardião, o nosso Cristo interno, o Eu Superior, Guru ou, seja lá, o nome que queiramos dar. Essa etapa é demarcada por um constante contato com essa Entidade (supra-humana ou, mesmo, extraterrestre). O objetivo Dele é nos tornar como Ele. Para que isso possa ser conseguido, Ele necessita que compreendamos o que é a Grande Obra, que é o motivo pelo qual cada ser humano encarnou. A realização dessa Vontade é essencial em todos os sentidos, pois é esta a nossa única missão na terra e é tudo o que devemos fazer em nossas vidas.

 

Nosso Sagrado Anjo Guardião é quem nos educa na arte alquímica, pois Ele nos ensina a utilizar a nossa sexualidade de acordo com a nossa natureza. É essa Alquimia que nos levará para níveis mais profundos de consciência, purificando nossos diversos corpos astrais, assim como o sal age com os alimentos, purificando-os e conservando-os. A Alquimia é o processo em que aos poucos a nossa consciência vai se fundindo com a Consciência do Anjo, até que não exista mais duas, porém uma. Portanto, todo esse processo alquímico é uma relação sexual, onde dois seres diferentes se unem por amor de um pelo outro.

 

A iconografia alquímica, por sua vez, está cheia de símbolos relacionados à “morte” e símbolos que assustam aquele leitor mal informado, assim como acontece com a imagem da deusa Kali, hindu. Tais símbolos estão colocados estrategicamente em determinadas lâminas para nos alertar que nem todo Casamento Alquímico terminará a contento. Ainda falta mais uma etapa na Grande Obra e esta é a Obra em Vermelho, mas muitos são aqueles que são levados a acreditar que aqui se encerra a Grande Obra.

 

Se as Bodas Alquímicas não forem corretamente executadas o rei será despedaçado e devorado pelo abutre, que representa a morte física, restando apenas seus ossos, i.e., seu ego ou coisa ainda pior. Teremos o portão que dá acesso ao Jardim do Palácio do Rei, definitivamente fechado e todas as delícias serão perdidas. Porém, se mais uma vez conseguirmos “Sair à Luz”, e agora de maneira definitiva, poderemos iniciar a Obra em Vermelho que consiste em romper com todo o Sofrimento do mundo, desvelar o mais profundo deserto da alma humana e reconstruir o ego em outro ego. Ao contrário do que se pensa é uma mera aparência, pois nenhum homem que não esteja nesta etapa conseguirá compreender o que isto representa. O vermelho representa o mais profundo Amor que um alquimista poderá experimentar. É quando todas as possibilidades podem ser experimentadas ao extremo e não existe mais como não evitar que aquilo que se toque venha a se tornar em ouro, ele se torna em um rei, talvez em Midas. É nesta etapa que a fabricação do ouro atinge o ápice de sua confecção e o alquimista poderá ser chamado como tal. Nesta etapa temos o desvelar dos milagres dentro do nosso Laboratório.

 

A obtenção da Pedra é um trabalho constante que nunca termina, nem mesmo quando tudo parece estar ganho, pois há sempre alguma coisa ainda a ser conquistada. O corpo do alquimista é o seu “Laboratorium Quimicum” ou “Laboratorium Oratorium” e todas as coisas externas são para ele supérfluas. O tolo “soprador” é quem acredita que existe um ouro de verdade e em um laboratório cheio de equipamentos de destilação. [1] A destilação acontece na mente do alquimista, que deve discriminar em seu devido tempo os pensamentos, os sentimentos, as coisas físicas e suas concepções mágicas, místicas e religiosas, daquilo que as práticas internas vão lhe apresentando.

 

Hermes Trimegisto (o Mercúrio Três Vezes Grande) é considerado o patrono da Alquimia, mas devemos dizer que a sua figura é uma alegoria iniciática. Hermes é Mercúrio, o mensageiro dos deuses e devemos entender que isto está diretamente ligado ao elemento mercúrio, que por sua vez representa o homem. Portanto, todos os seres humanos são a encarnação de Mercúrio na Terra, mas ele só se torna como tal após atingir a terceira etapa, isto é, a Obra em Vermelho, sendo quase que um título iniciático. Ele é Três Vezes Grande por ter vencido as três etapas da Grande Obra, por ter sua Consciência fixada nas três Esferas Supernas da Árvore da Vida cabalística. Assim sendo, Hermes Trimegisto é todo aquele iniciado que atinge e “concretiza” a Obra em Vermelho. A Tábua de Esmeralda, por sua vez, é a síntese mais perfeita de todo o processo de iniciação, em todos os tempos e não de um “sistema alquímico” especificamente.

 

O nosso Sagrado Anjo Guardião é representado, por sua vez, pelo elemento enxofre. Ele é comparado com tal elemento devido à sua Natureza, no entanto, muitos relacionam o enxofre ao “Diabo”. A relação é correta, mas ela transcende qualquer olhar religioso que possamos vir a ter. O enxofre é um elemento químico extremamente venenoso e assim pode ser a relação daquele que não compreender ao que se propõe o seu Sagrado Anjo Guardião. Ele é o elemento ativo e, portanto, masculino dentro da Alquimia e, assim sendo, gerador. Ele é a manifestação da Vontade - como é a figura do Cupido - e representa, também, a ave mitológica Fênix. Ora, é sabido que a ação do enxofre sobre o mercúrio acaba por transmutá-lo no cinabre, um elemento vermelho que é a “droga da imortalidade”. Esse processo de transmutação se dá através do sal, o elemento que purifica e que enriquece o mercúrio. Segundo alguns alquimistas: “o enxofre está para o corpo como o sol está para o universo”.

 

Há ainda na Alquimia um elemento por demais curioso que é o Alkahest, o solvente universal, um solvente capaz de dissolver em si qualquer coisa criada. Mais uma vez temos aqui uma alegoria de extrema importância, pois este solvente é a “água”. Esta “água” tanto pode ser o elemento químico H2O, que tem o poder de corromper qualquer coisa na natureza de maneira lenta e constante - até mesmo as mais duras rochas - como pode ser uma referência à Água da Vida, que corrói e purifica os elementos mais nefastos no ser humano, vivificando-o e tornando-o um rei.

 

A obscuridade dos textos alquímicos se deve exclusivamente a incapacidade da mente humana de conseguir compreender coisas simples, uma vez que a complexidade de algum mistério parece ser mais importante do que a busca de algo simples. As mentes mais simplórias possuem uma capacidade de abstração maior do que uma mente culta treinada na complexidade dual, pois a mesma só consegue vagar na superficialidade uma vez que acredita que existem coisas “ocultas” onde elas não existem. O fato de haver tantos tratados alquímicos e que em sua maioria são repetições pouco criativas, se deve ao fato de que cada verdadeiro alquimista possui uma linguagem poética própria e descreve o mesmo assunto através de uma visão particular.

 

Apesar de tudo, é um erro acreditar que todo o processo alquímico se resume na famigerada “magia sexual”, a Alquimia é muito mais do que isso. Como dissemos anteriormente, o processo de aproximação constante com o Sagrado Anjo Guardião é um processo sexual e o mais refinado processo alquímico. A Alquimia se resume na possibilidade de conseguir transmutar um elemento em outro e esse deve ser o objetivo constante - transformar o ser e em um novo ser. Por outro lado, sempre existirá uma Alquimia interna, de transmutação da alma em espírito, e uma Alquimia externa, onde os símbolos não passam apenas de alegorias; onde os símbolos são respondidos através de outros símbolos. Assim, sempre existirão os alquimistas que buscam constantemente à Divindade e os “sopradores” que brincam de química, pois há de haver equilíbrio no universo para que o mesmo possa continuar em seu curso natural.

 

Os alquimistas sempre se valeram de diversos conceitos e sempre “jogaram” com as palavras para expressarem as suas experiências místicas. Raras vezes encontramos em textos alquímicos uma ideia para esta ou aquela religião, uma necessidade dela e até mesmo um culto ou adoração a Jesus, Deus, etc. Devemos compreender que não existe qualquer conceito ou mesmo ideia de idolatria dentro dos livros. Percebemos sim, uma aproximação poética das ideias e conceitos de uma evolução espiritual com os diversos elementos existentes na natureza. O ser humano é o personagem central na história que tem como finalidade a realização da Grande Obra. O conceito da Pedra Filosofal e do Elixir da Longa Vida são ideias que se encontram com a imagem do Sagrado Anjo Guardião e da Imortalidade, i.e., um estado em que a Consciência do iniciado se torna plena e que não mais se esquece de suas Origens, tenha ele quantas encarnações ainda precise ter. O Elixir seria [e é] um pacto eterno entre o Espírito [vivificador] e a Alma. A imortalidade nos moldes dos “sopradores” seria muito mais uma maldição do que um dom divino.

 

Todos aqueles que acreditam em uma Alquimia física [ou química] não passam de verdadeiros “sopradores”. É uma enorme ignorância a crença de que a Pedra Filosofal e o Elixir da Longa Vida prolongariam a vida humana. Tudo o que a Alquimia não é, é ser antinatural. Os tolos “sopradores” confundem a ideia dos imortais taoístas, com a noção de uma imortalidade física, e estes loucos insanos devem ser evitados a todo custo. A Alquimia nunca foi tratada e nem vista como uma religião pelos verdadeiros alquimistas, mas como um princípio Filosófico que servia de base para os seus trabalhos de laboratório. Um dos mais importantes ritos alquímicos é aquele que é conhecido por rito da “libertação do cadáver” ou Ritual do Cadáver.

 

Como podemos observar os símbolos alquímicos não são fantasiosos, mas poéticos e representam uma “exatidão científica” com as noções e princípios que o iniciado quer apresentar, e que são produtos de sua experiência direta, a qual ele busca transmitir a um círculo restrito de homens inteligentes. Foram para estes que ao longo dos séculos se procurou transmitir a chave iniciática que abre os grandes mistérios. O “soprador” e o leigo jamais decifrariam a maioria desses símbolos apenas usando de compreensão intelectual ou razão pura, uma vez que a “chave” se encontra na experiência da iniciação. Para o "soprador" e para o ser humano em geral o simples é muitas vezes complexo, pois a mente humana, por existir em separatividade das coisas ao seu redor, não consegue ver muitas vezes o óbvio diante de si. A mente vai sempre querer buscar o que não existe, vai sempre querer o método mais confuso, pois isto reflete a sua própria natureza dissociativa.

 

A Alquimia, assim como todos os processos de Iniciação trabalha com que o homem possui de mais obscuro dentro dele, por isso que a primeira etapa da Grande Obra é chamada de Obra em Negro, como já nos referimos anteriormente. Este processo é de autodescobrimento e nem tudo o que descobriremos em nós será agradável ou elevado, mas este é de todos os três processos o mais importante, é tão importante e fundamental, que a grande maioria daqueles que se enveredam por esse caminho acabam por desistir ou se desvirtuando. “Sair à Luz” não é apenas uma mera expressão, mas um fato, cuja coroação é o encontro com o nosso Anjo Guardião, que não necessariamente precisa ser chamado como tal, mas esta é uma questão secundária ao nosso atual estudo. A perseverança sim: é o mais importante de todo processo, aliado a uma verdadeira aspiração.

 

O principal processo alquímico é aquele que nos faz ver a terra e suas manifestações como algo que nos eleva mais do que as coisas do céu. Por isso, utilizar da Alquimia como meio de escapar das coisas da terra ou para dominar a terra para se obter vantagens é buscar a destruição e a morte. Muitos foram os estudantes de Alquimia que buscaram esta Arte para obterem vantagens e que se viram em um processo que não tinha mais volta, resultando em seu completo fracasso espiritual. Uma vez que esse processo é posto em andamento, não se perde apenas as coisas materiais supérfluas, mas, entre elas, a própria saúde física e mental. Esta Arte, tão cara para nós, nos mostra um processo não apenas de conhecimento pessoal ou das coisas do mundo, mas dos mundos chamados angélicos. A necessidade de invocar sempre, todos os dias, é essencial, não importando onde se esteja. A manifestação dessas invocações teem de ter um reflexo no mundo físico, ao ponto que possamos percebê-las sem qualquer dúvida. Quando essas invocações forem realizadas de forma ritualística, é aconselhável que elas não sejam encerradas da maneira comum, como alguns realizam. Os rituais devem sempre ser deixados em aberto, para que possa haver a manifestação, tal qual a porta de entrada de algum estabelecimento deve estar aberta para que as pessoas possam entrar e sair. Em nosso caso, pela porta aberta deve apenas entrar e sair aquilo ou aquele que é motivo de nossa invocação, qualquer outra coisa não deixará de ser um inconveniente, um acidente perigoso. É a perícia do alquimista que fará com que pela porta apenas passe aquilo que se deseja e que todas as coisas inconvenientes fiquem de fora.

 

Per Scientiam Ad Lucem. Assim, ao longo dos séculos a Alquimia vem progredindo e se adaptando às novas condições da ciência e da evolução da psique humana. Novos símbolos são atribuídos às novas condições, como o aparecimento, por exemplo, do simbolismo do Leão Verde, para exprimir uma nova condição da iniciação alquímica. Na essência, porém, a Alquimia não se modifica, pois o que sempre moverá o alquimista é a sua busca pela Divindade e pela integração total com o mundo e o universo. Isto é o que faz a Alquimia ser uma Tradição, pois ao mesmo tempo em que ela se adapta aos novos tempos, não deixa de ser um processo único em todos os tempos.

 

 

 

[1] Este termo vem da imagem daquele que passa a vida toda soprando um fogo físico em um laboratório físico, sem chegar a nenhum resultado.

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