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Liber Oboedientia

Frater A.A.A.N.

 

(publicação em Classe C.)

 

 

Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.

 

 

 

N

 

ão tenho mais o costume de dar muita atenção às visões grandiosas, preferindo as visões mais simples. Talvez por ter me treinado muito bem e à minha mente, passei a compreender que as grandes experiências místicas acontecem mais em visões simples, que podem passar despercebidas do estudante iniciante, do que naquelas grandiosas e “arrebatadoras”. Aos poucos tenho aprendido a observar vivencialmente o que se esconde por detrás das “letras”. É relativamente fácil compreender que o Amor é uma referência à Ágape e, consequentemente, ao Samadhi e que a Vontade se refere à nossa Verdadeira Vontade. Isto é relativamente fácil de se compreender a nível microcósmico, mas quando projetamos essa idéia a nível macrocósmico, a coisa se torna um pouco mais delicada e complexa.

 

Outro dia, minha Mahashakti se questionou sobre o motivo da Existência. Estávamos retirados da cidade, em um local bucólico, onde se é extremamente fácil contemplar a Natureza em toda a sua grandiosidade. Eu havia tido duas experiências, aparentemente sem nada haver uma com a outra, mas por causa do meu grau sabia que elas se complementavam e que só faltava uma peça para que tudo fizesse sentido. Mas sobre o seu questionamento eu não titubeei ao dizer: servir. Para mim, naquele momento, era claro compreender que tudo que existe na Natureza, desde as coisas mais ínfimas da Terra até as mais grandiosas do Universo, existe apenas para servirem umas às outras, de acordo com suas naturezas. Porque quando da pergunta, imaginei imediatamente o meu Sagrado Anjo Guardião com os seus “pedidos mais absurdos”.

 

Assim, qual a principal função de uma galinha além de servir ao homem, com seus ovos e sua carne? Uma vez que uma galinha não serve como animal de estimação, apenas por não ter uma inteligência refinada e um físico adequado para que possa ser uma companhia perfeita para o homem. E a nossa maneira de servir a uma galinha é se alimentando dela com respeito à sua natureza, dissolvendo-a em nós mesmos: um ser “inferior” em um ser “superior”, assim como acontece com a nossa relação com o Sagrado Anjo Guardião.

 

A primeira visão que obtive estava relacionada ao hexagrama do I Ching chamado Huan, que quer dizer Dispersão ou Dissolução. A segunda visão estava diretamente relacionada à Obediência em relação a alguma coisa que pode não fazer sentido, mas que cumprimos simplesmente porque nos é ordenado. O problema não é questionar se aquilo é certo ou errado, se faz sentido ou não, questionar é sempre em todos os casos um ato saudável, mas obedecemos porque sabemos que temos de fazê-lo, ainda mais quando tal ordem parte de alguém Superior. A terceira visão que fechava as duas anteriores se relacionava a dualidade, onde o Mestre ensinava sobre a dualidade, o caminho do meio e a não existência de deus. Segundo Ele, tudo deve ser direcionado para dentro de nós mesmo, para uma melhor compreensão de si e não para fora, na busca do entendimento de alguma divindade. O curioso é que uma mente treinada e retamente direcionada conseguiu compreender mais além do que um apartamento com duas portas de entrada iguais, superando qualquer análise puramente psicológica. Se estar separado é um grande ato antinatural, que só provoca prejuízo. O curioso é que superando essa Separação, e Nuit fala bem disso, tal ato acaba por gerar algo conhecido por Prazer da Existência.

 

Bem, o Amor é um ato de Puro Servir e isto se relaciona ao ato de se entregar plenamente sem restrição, isto é, sem qualquer noção pecado. A Vontade é Obediência, é algo realizado muitas vezes sem muita certeza, mas que é feito porque não se tem outra coisa a fazer; porque a Natureza impulsiona a nossa natureza a fazê-lo e só assim é que nos sentimos plenos. A consequência direta da plena realização da Vontade é a Dissolução ou a Dispersão na própria Natureza. Obviamente, que isto ocorre em toda a cadeia de evolução das espécies: uma coisa se dissolvendo em outra. Para que todo e qualquer ato de Dissolução possa ser conseguido, o mesmo só pode ser realizado em Amor.

 

Quando me deparei com o hexagrama Huan, na primeira visão, compreendi que deveria separar cada símbolo de uma interpretação meramente psicológica, por mais que a segunda visão tivesse em seu bojo características tipicamente violentas e sádicas da natureza humana, apesar de também existir amor. Eu sei por minha experiência que coisas aparentemente sem sentido escondem detalhes de importância que podem não fazer sentido no momento, sendo parte de um quebra cabeça e que depois de alguns dias acaba sempre fazendo sentido. Com isso percebesse que não se pode analisar uma experiência separadamente, principalmente quando temos uma seqüência de experiências que aparentemente não fazem sentido. Quando todas as peças se fecham, partimos para as análises costumeiras, tendo em mente que o resultando final irá sempre muito mais além do que aquilo que foi vivenciado.

 

Antes da existência de Siddartha Gautama as religiões de massa estavam muito preocupadas com o externo, em compreender os desígnios das divindades, em compreender a natureza de deus, em saber quem era deus. Buda faz e ensina o Caminho inverso, a busca de si mesmo, resgatando os princípios do homem. Buda coloca em cheque a idéia de deus e as adorações humanas. Ainda hoje muitos estudantes inexperientes estão preocupados com experiências externas, mesmo aquelas que ocorrem em suas práticas, do que mergulharem com atenção nos detalhes não metafísicos. Aliás, ainda falando de Gautama, deveríamos aprender com ele a não se importar com as tolices metafísicas, que descambam sempre para o misticismo exacerbado e, depois, para a repressão religiosa. Deveríamos buscar por questões mais pessoais e profundas, que fogem dos simples conceitos psicológicos[1] e místicos. Isto nos leva a procurar enxergar o que se esconde por detrás dos símbolos, pois cada símbolo nada mais é do que um sinal que só é compreendido por nós mesmos, caso contrário ele não teria sido projetado em nossa mente.

 

Encerrando, devemos compreender que o nosso Sagrado Anjo Guardião nos treina basicamente para duas coisas: a primeira, para a plena realização da nossa Verdadeira Vontade; segunda, para extirparmos qualquer noção ou experiência de deus. Ele busca sempre nos ensinar a olhar o microcosmo e o macrocosmo dentro de uma visão não metafísica, longe de qualquer conceito místico. Magia(k) passa a ser o vislumbramento e o entendimento da Perfeição do mecanismo do Universo, que chamamos simplesmente de Nuit. Quando isto é atingido em completa exatidão, podemos finalmente ser Hadit.

 

Amor é a lei, amor sob vontade.

 

 

 

 

[1] Psicologia quer dizer: ciência da alma.

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