Sérgio Bronze
Instituto Aleister Crowley
Sobre o Tao
Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.
Estava lendo recentemente um tratado taoísta, que eles chamam de "Mistérios Escuros do Céu” ou de “Livro do Elixir”, sendo na verdade um texto mágico sexual (tântrico) do taoísmo. O mesmo é de autor desconhecido, sendo que muitos o atribuem a Hsi Wang Mu, divindade que eles acreditam ter atingido a imortalidade pela “prática do cultivo dual com a parceira de mil jovens devotados”. Curiosamente, muitos mestres taoístas “torcem o nariz” para o tal tratado e muitos sequer admitem a existência de tal possibilidade, talvez pela simplicidade que o mesmo possa ser e pelo caráter universal da prática para os praticantes. Mas acredito que seja mesmo porque o tratado é todo ele de cunho dual e sexual. Também no taoísmo, assim como em diversas tradições, acredita-se na necessidade de se possuir um mestre capaz de ensinar e de levar o aluno ao contato com os “segredos”.
O objetivo do tratado está relacionado com a sexta prática do taoísmo, sendo oito no total, conhecido como “o Alimentar o shen”, isto é, fixar o shen. Primeiro, acho que é necessário explicar rapidamente o que é o ching, ki e shen. O corpo humano é composto de três Elementos (tal como os gunas hindus), assim como o Universo (como conhecido pela astrofísica) também é composto por três elementos básicos. O ching representa a Essência; o ki representa a Vitalidade; e o shen representa o Espírito. O ching é o que mantêm todas as coisas unidas, o ki é como o prana para os hindus e o shen é o espírito propriamente dito. Desculpe a explicação simplória, mas não teria espaço aqui para explicar cada um deles profundamente e eu nem saberia como ser didático.
Mas vamos ao pequeno fragmento do texto que achei curioso um taoísta escrever:
“O modo de fixar e conservar consiste em saber o que é felicidade, estar satisfeito com o suficiente, estar além da aflição causada pelo frio e pela fome, estar livre da servidão dos pensamentos ociosos – pois então surge o ki com o qual a mente é alimentada. Pratique durante a vigília noturna, sem preocupar-se com posturas especiais. Cruze os braços, relaxe os membros, expulse os pensamentos ociosos, deixe que o corpo seja o único objeto da consciência. Então o shen será fixado, o ki corrigido e o espírito se tornará imune ao envelhecimento e à morte.”
O que se deve fixar é o shen, o Espírito, que é o mesmo do que aquilo que chamamos de Sagrado Anjo Guardião. No sistema taoísta eles iniciam pela purificação do ching, que leva à purificação do ki até atingir ao shen. Então vou fazer uma correlação com algo que você poderá entender melhor: ching estaria diretamente relacionado com o yama e niyama, que compõem a essência do que somos e daquilo que poderemos vir a ser; o ki é o trabalho direto com mantra, pranayama e asanas, de purificação física; e o shen são as práticas relacionadas com pratyahara, dharana e dhyana, ou purificação mental.
E o texto continua:
“Vossas mentes devem ser como o sol que brilha sobre tudo; deveis lutar para emitir esplendor, tal como o Vazio. Pois o yang-shen se compõe apenas de yang-ki anterior ao céu. No princípio não deve haver nem pensamento, nem atividade, nem contaminação dos sentidos. Não deis atenção àquilo que vedes. Então descansareis espontaneamente na perfeita serenidade do ser indiferenciado, com sagrado esplendor luzindo em toda parte e penetrando sem esforço em vosso ser a partir da fonte pura e indiferenciada.”
Apenas como motivo de ilustração, o que eles chamam de yang-shen é o que chamamos de Guru ou Anjo. Yang-shen é o Espírito Masculino, é Aquele que desvela a Vontade; o yang-ki é a Vitalidade masculina, o corpo humano propriamente dito, isto é, o ser humano. Um bom estudante de Cabala ocidental compreende facilmente o que o texto “hermético” tenta passar, que é ver todas as coisas pelo olhar do divino em nós. A Vitalidade humana deve ser voltada exclusivamente para o Espírito, para que este possa se apossar da consciência que um dia foi “anterior ao céu” e que deve ser agora o próprio céu. Em outras palavras, a consciência humana deve se apossar da Consciência divina e ser ela. Lembre-se que o texto diz que: “No princípio não deve haver...”, mas depois que se conquista...
Nenhuma prática deve gerar esforço desnecessário e concordo com eles. Quanto mais natural for, mais próximo de nossa natureza estaremos. O método é tão simples, e eu sei bem porque o faço diariamente, que eles mesmos, muitos taoístas, não acreditam que isto possa levar à fixação do shen. Fixar o shen nada mais é do que estar junto com o Anjo, sem que nada perturbe a mente durante o acontecimento. Obviamente que estar fixado Nele é o início da Grande Felicidade, mas isto só é percebido quando se pratica nesta direção. E Mestre Hsi ainda deu um método simples e prático para que todos possam realizar a Felicidade.
O último método dado por Mestre Hsi Wang Mu é sexual e está colocado em um pequeno poema, nada “esotérico”:
“A lua cheia brilha
Na calma do vazio.
Quando o vento agitar
A superfície do lago,
Guarde uma gota no peito.
O parente do rubro sol saberá.”
Mas ao invés de você guardar essa gota em seu peito, guarde-a em seu abdômen e peça para que Ele ensine como realizar a Tua Vontade. Mas o primeiro método deve ser desenvolvido, junto com as práticas yoguicas tão divulgadas e um dia, durante a lua cheia, na calma do vazio, a mente inspirada indicará a movimentação do grande lago ou mar.
O método é sempre simples, mas a mente humana não gosta de coisas simples, ela prefere as complexas, porque ela sempre está em busca de responder e descobrir mistérios. Não existem mistérios. O oculto é apenas aquilo que não conseguimos expressar em palavras. O ego sempre quer parecer que sabe de algo que outros não sabem. Em verdade, não há mais muito que ser dito sobre o Caminho, o perigo são as interpretações erradas dos “segredos” e a perpetuação de tais erros como se fossem verdades, como profundas verdades espirituais. Portanto, aprenda a ler e a interpretar os textos, por si mesma, e pela sua verdade adquirida em suas práticas.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Sérgio