Sérgio Bronze
Instituto Aleister Crowley
Sobre os Vedas
Querido Amigo;
Faze o que tu queres há de ser tudo da Lei.
[...]
Fiquei muito curioso com a sua carta e com o seu pedido [...]. Não sou nenhum especialista em Vedas e nem em Vedanta, mas por força da minha profissão sou obrigado a conhecer a essência das palavras que permeiam tais livros. Assim, me desculpe se for muito superficial na realização deste seu pedido e um pedido seu nunca pode ser deixado de ser feito de imediato.
O que eu poderia falar sobre os Vedas? Bem, Veda significa Sabedoria e dezenas são os Vedas espalhados ao redor do mundo, incluindo o nosso amado Liber AL. Mas falando mais especificamente sobre os Vedas da região do Industão, estes são compostos de súplicas, encantamentos, interpretações filosóficas, hinos, fórmulas mágicas, comentários teológicos – místicos em sua maioria – e de ladainhas.
O Vedanta é a sua escola mais famosa e quer dizer, aproximadamente: “Culminação da Sabedoria”. Ela se baseia em um monismo panteísta, muito próximo das doutrinas ocidentais de Parmênides: “O ser-ser existe, o não-ser não existe”. Para o Vedanta só existe uma única realidade que é Brahman (Deus?) ou Atman (Alma?) e esta realidade é única e impessoal. No entanto, percebe-se que Brahman está subordinado a algo ainda maior, quando em seu eterno processo cíclico de criação e de destruição do universo, manifestável, é ele mesmo destruído e preso a uma Lei que rege os Vedas. Ora, qualquer similaridade com a Laylah dos muçulmanos e com Nuit de Thelema, não é mera coincidência, pois elas sendo a Noite, o Espaço Infinito, a Não-Manifestação, o Nada: é a regente de toda Manifestação. Consequentemente, esta realidade não pode ser múltipla, o que seria uma total incoerência, como a Física sabe – e você sabe melhor do que eu – que tempo e espaço conduzem a resultados paradoxais, para não dizer: absurdos. (Você me daria uma aula sobre Zenão de Aléia sobre a negação da realidade do movimento.)
Esta ideia de que existe algo ainda mais Superior está muito bem fixada no Bhagavad-Gita, pena que há muito deixei minha tradução de lado, mas espero poder retomá-la um dia com a mesma disposição de 2005 e.v. Enfim...
Nos Vedas percebemos que Brahman não passa de um simples feiticeiro que cria o universo aparente com a ajuda mágica de Maya, a Ilusão. É quase uma criança sem ter o que fazer, que passa o seu tempo de vida, criando e destruindo ao seu prazer. Claro que este movimento de expansão e contração faz parte da moderna astrofísica. Este Movimento cósmico é idêntico ao conceito budista da Roda do Sansara. Portanto, todo movimento gera algo que é a Ilusão. Se Brahman faz este pequeno jogo com a sua criação, a única maneira que se tem de não fazer parte desse jogo é saindo do palco, ou seja, atingindo o Nirvana dos budistas. Lá não existe nem Maya e nem Brahman, apenas o que sempre existiu.
Há dois dias atrás escrevi um material que considero um dos trabalhos mais importantes que fiz em minha vida, além daquele de 2008 e.v., sobre o Kala, ou Tempo Eterno. O Kala nada mais é do que a Parada e a Observação Perfeita do Universo. É muito difícil escrever sobre coisas tão importantes sem nos valermos da linguagem poética. Em Física sabemos que uma corda é igual a uma cobra, que é igual a uma árvore e que por sua vez é igual ao oceano e assim infinitamente. Os princípios básicos que compõem tudo no universo são absolutamente iguais, são apenas os arranjos desses princípios – DNA – que diferem uma corda de uma cobra, de uma árvore, do oceano e assim infinitamente.
O objetivo dos Vedas é levar o ser humano à visão direta do Universo, não de Deus, claro que Deus está no meio do caminho, mas ele não é tão importante como muitos acreditam. Deus é a nossa observação perfeita, fixa... O cosmo – não me refiro ao Universo – é uma ilusão: o corpo, o Eu ou Ego e a noção de Deus são “a irrealidade das coisas e a realidade de uma coisa única indeterminada”. Isto seria Brahman ou a Atman.
A doutrina do Vedanta se resume em dois axiomas: “Isso és Tu” e “Sou Brahman”. Para qualquer estudante iniciante é fácil perceber que está sendo dito aqui que a Alma é Brahman e vice versa. Este “Tu” é o mesmo que aparece no Liber AL quando se diz: Faze o que TU queres há de ser tudo da Lei. Este Tu é o nosso Anjo unido a Nós mesmos, consequentemente, o Vedanta está dizendo que: Sou Brahman porque isso és Tu. Ou seja, não existe Deus senão o homem. Qualquer similaridade com o Allah dos muçulmanos e o Anatha dos budistas não é mera coincidência. É como Crowley dizia: “O máximo que compreenderemos de deus é a nós mesmos”.
Alguns mestres do Vedanta dizem que, o grande erro do homem é se identificar com o corpo em que se habita e buscar prazeres “sensuais”, pois isto seria a causa do sofrimento e das sucessivas encarnações. Que a vida deveria ser vivida sem interesses e dedicada apenas aos estudos dos Vedas. Assim, o ser humano iria aos poucos se purificando, ao não refletir nada em sua volta, algo que parece meio complicado nos dias atuais. Isto me fez lembrar de Schopenhauer que diz mais ou menos o seguinte: “Torturador e torturado são uma coisa só; o torturador se equivoca porque crê não participar no sofrimento; o torturado se equivoca porque crê não participar na culpa”.
O Vedanta também admite a existência de céus, como as Esferas da Cabala, com conceitos bem próximos. Assim como na possibilidade de se assumir diversos corpos para poder habitar nesses céus.
Porém devemos deixar de lado toda essa história sobre Karma e as suas maldades. Devemos compreender que todas as religiões nascem, crescem e morrem, tal como Brahman, que também deverá morrer – Kali Yuga – para que um outro Brahman possa assumir seu lugar. Me irrita este conceito hindu e budista de que: “quem rouba vestidos de seda renasce perdiz...” Nem eu e nem você podemos acreditar na involução do universo ou da natureza.
Os Vedas teem a mesma noção de Aeons, mas em um período de tempo muito mais longo: Krita-yuga (Idade de Ouro), Treta-yuga (Idade de Prata), Dvapara-yuga (Idade de Bronze) e Kali-yuga (Idade de Ferro). O próprio Brahman está subordinado a estes períodos de tempo de aproximadamente quatro bilhões de anos, onde no final o próprio Brahman deverá morrer, pois ele não é imortal. Leia o Rig-Veda e o Mahabharata, se você tiver paciência. E entre cada Idade existiria um período que eles chamam de Crepúsculo, chamado de Krita-yuga. Também acreditam que de uma Idade para a outra existe uma degeneração do ser humano. Portanto, o melhor a fazer é atingir o Nirvana e fugir desse jogo cósmico.
Concordo com o Vedanta, com muitas ressalvas, é sobre a questão da reencarnação que diz que somos nesta vida o reflexo do que fomos em outras. Minha concordância acaba aqui, pois acredito na evolução gradual e não em questões de punições sobre algo que sequer sei, como Sérgio, o que fulano de tal fez em outra encarnação. Se minha alma é pura, como que ela pode pagar pelos “pecados” de uma personalidade e de um ego? Meu entendimento sobre Karma e Dharma já foram postos para você, de maneira suficientemente clara para não exigir maiores explicações. Mas acredito que se um homem morre com um ardente desejo de vida em seu coração, ele estará plantando uma semente de imortalidade.
Na verdade, a ideia deles de Karma é para ensinar as pessoas a aceitarem com resignação as suas maselas e manter inabaláveis os seus sistemas de castas, isto é, um controle social, político e financeiro. O homem de ontem não é muito diferente do homem de hoje e este não será muito diferente do homem de amanhã.
Também esta questão do Karma acabou por gerar o vegetarianismo. Ora se um parente seu cometeu um crime, morreu e vai renascer, ele pode vir encarnado em um animal e não ficaria nada bem, sabe-se lá, você comer um parente. Se você ler o Livro da Lei de Manu, acho que você nunca mais come carne na vida ou irá rir muito de tantas superstições, das quais nenhuma religião está livre. Devemos compreender que muitas culturas tinham certas restrições a determinados tipos de carne, por aquele estar diretamente relacionado a um demônio ou coisa do gênero. Prefiro acreditar que a questão da vaca seja mais prática do que espiritual, pois ela é mais útil dando estrume e leite do que servindo de comida. O que eles não dizem, mas está lá, é que muitos que cometeram crimes também voltam em forma de vegetais.
Como eles mesmos dizem, boas ações não salvam o ser humano, pois não existe um único ato que não seja fruto do Ego e como o Ego é a forma mais perfeita da Ilusão... Por isso que os hindus não são muito chegados à caridade, que para eles é a ostentação de um erro kármico. Na verdade, se olharmos atentamente, esta história de caridade é algo que só existe no cristianismo.
O Visudhimaga ou Caminho da Purificação diz: “Em nenhuma parte eu sou alguma coisa para alguém, nem alguém é alguma coisa para mim”.
Acho que é isto, não tenho mais muito que falar sobre os Vedas do Industão. Espero que possa ter ajudado em algo e aguardo o seu tão esperado retorno desta carta.
Amor é a lei, amor sob vontade.
Carinhosamente, Sérgio